Para o relator Alessandro Vieira (MDB-SE), texto seria “golpe fatal” na legitimidade do Parlamento. Diante da rejeição na CCJ, Alcolumbre decide por arquivamento

Após a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado rejeitar por unanimidade, nesta quarta-feira (24), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Blindagem (03/21), popularmente conhecida como “da Bandidagem”, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), decidiu arquivar a matéria. Ao todo, foram 26 votos contrários à PEC e nenhum favorável.
“Não há o que esclarecer. Assim, tendo em vista que CCJ aprovou, de forma unânime, parecer concluindo pela inconstitucionalidade da PEC e no mérito pela sua rejeição, esta Presidência determina seu arquivamento, sem deliberação de plenário”, declarou Alcolumbre.
De caráter claramente casuísta, a PEC, patrocinada pela extrema direita e parte do centrão, foi aprovada na Câmara no dia 17 e virou alvo de massivos protestos populares no domingo (21).
Durante a sessão da CCJ, o presidente Otto Alencar (PSD-BA) afirmou que há mais de um mês havia se posicionado contra a PEC “para preservar os colegiados [CCJ], tanto do Senado quanto da Câmara, de se contaminar com uma matéria dessa natureza”. Para ele, a proposta é uma falta de respeito ao eleitor e aos brasileiros.
Inconstitucionalidades e retrocesso
Ao apresentar seu relatório pela rejeição da PEC, o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) reforçou a inconstitucionalidade e o retrocesso que a proposta representa. Entre outros pontos, sublinhou que “o contexto de confecção da PEC denota sua real motivação, diametralmente oposta àquilo que ela alegadamente deseja implementar. Ou seja, exteriormente, a PEC faz crer que almeja um determinado resultado, quando, na verdade, o que se procura é exatamente o inverso”.
Em seguida, reforçou que a PEC é “um golpe fatal” na legitimidade do Parlamento, “posto que configura portas abertas para a transformação do Legislativo em abrigo seguro para criminosos de todos os tipos e para o crime organizado”.
Além disso, o relator apontou que o texto é um caso claro de desvio de finalidade, uma vez que o seu real objetivo “não é o interesse público e, tampouco, a proteção do exercício da atividade parlamentar, mas sim atender aos anseios escusos de figuras públicas que pretendem impedir ou ao menos retardar, investigações criminais que possam vir a prejudicá-las”.
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De acordo com levantamento apresentado pelo senador, de 1988 até a PEC 35 de 2001 — quando o sistema jurídico deixou de depender da anuência dos parlamentares para investigar ou processar um par — apenas um de quase 300 pedidos de investigação foi aprovado pela Câmara — no caso, contra Jabes Rabelo (PTB-RO), deputado federal acusado de receptação de veículo roubado.
Depois dessa alteração, segundo Vieira, cerca de 200 parlamentares foram investigados em inquéritos ou configuraram como réus em processos penais.
Outro ponto criticado pelo senador foi o uso do voto secreto para esse tipo de decisão, o que “enfraquece o controle popular sobre seus representantes, em violação aos princípios democrático, representativo e republicano, cláusulas pétreas fundamentais de nossa Constituição”.
Com relação à ampliação do foro por prerrogativa de função aos presidentes de partidos, também contido na proposição, Vieira disse se tratar de “providência totalmente desarrazoada, na medida em que se está estendendo o foro para dirigentes de entidades de direito privado que não exercem função estatal”.
Perto de concluir seu voto, salientou que a PEC é “um gigantesco passo atrás em toda a luta de décadas da sociedade brasileira para assegurar a moralidade na vida pública e o fim da impunidade”, pontuando que, no entanto, o país ainda está “muito longe do ideal”.
PEC da Bandidagem
A PEC foi resgatada recentemente e ganhou força em meio às negociações envolvendo o presidente da Câmara, Hugo Motta (RepublicanosPB), e a extrema direita quando deputados dessa ala resolveram se amotinar e ocupar a Mesa Diretora como forma de pressionar pela aprovação de uma anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), antes mesmo dele ser condenado por tentativa de golpe de Estado.
Ao resgatar o texto da PEC, os parlamentares — especialmente os bolsonaristas —, esperavam ter a proteção de seus pares contra investigações e ações da Justiça. Além dos casos envolvendo a tentativa de golpe e crimes relacionados, esses parlamentares temem pelas medidas que vêm sendo tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para conter a farra das emendas, impulsionada durante o mandato de Bolsonaro.
Como justificativa para tentar convencer da suposta justeza da matéria, esses parlamentares, inclusive durante a sessão da CCJ, argumentaram que estariam sendo vítimas de uma suposta “ditadura de toga”, situação que estaria cerceando a atuação legislativa.
Mas, a verdade é que a aprovação da PEC ajudaria a blindar parlamentares que agem de maneira ilícita dentro e fora do parlamento e a estimular candidaturas de lideranças ligadas ao crime organizado e às milícias, por exemplo.
Antes mesmo dos protestos deste domingo (21), alguns senadores já sinalizavam que a matéria seria rejeitada na Casa. Porém, os atos explicitaram e amplificaram a insatisfação popular, aumentando a pressão para que o Congresso Nacional enterrasse a proposta.
Fonte: Portal Vermelho
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